Vifibi
Novato
Postagens : 16 Data de inscrição : 29/01/2010 Localização : RJ Emprego/lazer : Escritor Mensagem Pessoal : Cínico
| Assunto: Doppelgänger Sáb Fev 27, 2010 11:51 am | |
| Bem-Vindos ao outro mundo. Capítulo Um- Spoiler:
O Sol brilhava entre as cortinas de sua casa. As paredes tinham manchas, o chão rangia e estava repleto de buracos, mas era o que Lúcio chamava de lar. Uma rotina tinha sido estabelecida rapidamente para ele: Acordar, ir trabalhar, voltar para casa e dormir.
Era uma vida monótona, mas era o tipo de vida que ele estava acostumado. Naquele dia em particular, ele acordara com algo que, mal sabia ele, mudaria sua vida: Uma cárie. No momento, ele não a notara, e prosseguiu o dia como normal.
Tomou banho, vestiu suas roupas. Comeu um café da manhã que, ele tinha quase certeza, eram mais baratas que comida. E saiu para trabalhar. Pegou as chaves do seu Chevette, e saiu porta afora.
Dirigiu pela Buckingham Avenue até o edifício Lamron, aonde trabalhava. Estacionou, saiu. Um flash de luz ao mesmo tempo escuro se passou por sua cabeça, enquanto ele travava, congelado no lugar, suando frio.
Voltou a si. Tinha sido uma alucinação. Ele tomou uma pílula, e seguiu em frente. Entrou no elevador. Dentro, uma pulsação contínua passava por cada molécula de seu corpo. Uma vontade absurda de morte, enquanto uma faca se aproximava sorrateiramente das costas dele.
A porta se abriu, e ele foi embora. A faca retraiu-se de volta para o mundo de onde provinha, insatisfeita com seu destino infeliz. Lúcio entrou em seu cubículo, aonde passou oito horas ininterrúptas na mais absorta inexistência.
Seis horas, saiu. O elevador decidiu não matá-lo, pois naquela hora a faca cuidava dos pneus do chefe. Ele entrou novamente em seu Chevette, e pôs uma bala de menta na boca. Saiu pelas ruas, dirigindo até sua casa.
Cada passe, uma mastigada. Um passe, uma mastigada. Dois passes. Duas mastigadas. Três passes, três mastigadas, uma dor aguda no seu dente molar.
Um reflexo involuntário, um poste de luz, escuridão.
A luz do Sol ponente atravessava as persianas baratas do hospital. Lúcio se encontrava deitado na cama, com sua cabeça enfaixada, e sua mão esquerda engessada. Na cama ao lado, estava uma garota de seis anos. Ao seu lado, ele viu a si mesmo.
Capítulo Dois
- Spoiler:
Não acreditou nos seus olhos. Mas eles nunca o mentiram antes. Lá estava ele, com seus cabelos negros dispersos, seu corpo estruturado, e usando suas roupas preferidas - Uma calça jeans, um tênis Nike e uma camisa qualquer.
- Bom dia! - Lúcio quase teve um ataque do coração - Você parece melhor. - Bom... Dia. - Ele mantinha os olhos vidrados em si mesmo. - Ah, sim... Foi trágico. Ela tentou te tirar do carro, e o poste de luz acabou caindo em suas costas. - Ela... Ela... - Ela vai sobreviver. Mas nunca poderá andar. - Quem está do lado dela? - Do lado dela? Não tem ninguém do lado dela. - Mas... Eu estou vendo. - Ah, não se preocupe... Deve ser uma reação à morfina. Você bateu a cabeça feio. Tivemos que lhe operar com urgência, caso contrário você estaria morto agora. - Lúcio olhou a enfermeira. Parou. Ao lado de uma mulher razoavelmente bonita, estava outra. Loira, esbelta. Estava nua e coberta de sêmen. - É... - Não, não... Não se preocupe. Descanse - Ela pôs a mão na cabeça. A mulher loira fez o mesmo movimento.
Ele passou três dias no hospital. O seu outro também, movendo-se ocasionalmente. Ele não era visto por ninguém, então ele acabou se acostumando com ele. A enfermeira e a mulher loira entravam no seu quarto umas três vezes por dia, trazendo comida - A loira não trazia nada. O médico uma vez conversou com ele. Estava acompanhado de um homem acorrentado.
No quarto dia, ele voltou a trabalhar. Pegou um táxi para o trabalho. Desceu, pagou. Entrou no prédio, chamou o elevador. Foi entrar. Parou, aterrorizado. Dentro dele, estava uma mão ensangüentada. Ela segurava uma faca.
Ele correu. Mas parou na simples menção de ver outros seres humanos. Viu monstros inimagináveis, pavores terríveis, prostitutas, assassinos, estupradores, todos acompanhando pessoas aparentemente normais. Ele parou.
Seu outro eu tomou uma forma pequena, confusa, medrosa. Ele correu, como se o mundo estivesse pulsando ondas de terror contra ele. As pessoas estavam começando a sumir, e seus contra-partes assumindo o lugar. Ele bateu contra uma parede. Sentiu como se um lugar seguro tivesse sido encontrado. Entrou.
Capítulo Três
- Spoiler:
Ela estava sentada sobre as pernas. Seus cabelos fediam, suas roupas estavam sujas, e a maior parte de seus dentes não existia. Mas, no entanto, Lúcio se sentia em casa. A mulher não parecia notá-lo, enquanto cantarolava versos de Yellow Submarine.
- É... Com licença? - Sim? - É... O meu nome é Lúcio... Eu... Eu realmente não sei o que estou fazendo aqui. - Você está com medo. - Sim, estou. - Não estava perguntando. - O quê?... Mas... - Ele te denunciou. - Ela apontou para o outro de Lúcio. - O quê!! Você pode vê-lo?!?! - Sim, claro. Todos os "Desfiltrados" podem. - Des...filtrados? - ... Você não nasceu assim. - Não. - O quê aconteceu? - Estive em um acidente de carro... Argh, até agora me pergunto se isso tudo não é uma ilusão. - Não é uma ilusão. Seu cérebro simplesmente passou a não filtrar. - A não filtrar? - Sim, sim... Veja bem: Quando o ser humano nasce, seu cérebro desenvolve certos filtros, e ele passa a ver somente aquilo que lhe foi ensinado como normal. Já que você deve ter batido a cabeça, seu cérebro deve ter parado de filtrar... E agora seu cérebro reconhece aquilo que você antes ignorava completamente. - ... Mas... E quanto a você? - Eu nasci sem os filtros. Em compensação, como você pode ver, eu nasci sem um Doppelgänger. - Doppelgänger? - Isso que está do seu lado. - Mas o que ele é? - Ele é você. Todos os seus medos, desejos, arrependimentos... Ele é você. Só que sem disfarces. Por exemplo, ele está de cabeça baixa e treme, então está com medo. Ele também tem um arame farpado cortando seu pulso direito, então você se sente culpado. - Isso... Isso é verdade. Mas o que eu devo fazer? Eu não consigo andar na rua sem tremer de medo. Tudo o que eu vejo parece distorcido e sombrio... Eu sinto o impulso de matá-los, de limpar toda essa escuridão, de salvar a cidade... - Nesse momento, uma faca cresceu dos pulsos de seu Doppel. - Faça isso, que você se tornaria justamente o que mais teme. Um assassino, um porco, a escória. - Eu não sou isso! - Lúcio gritou. Seu Doppel ficou musculoso. - Está com raiva, hein garoto? Quer sua mamãe? É isso que você quer? - Calada! - A mulher se calou. Uma faca se encontrava encrustada em sua testa. Ela caiu para trás.
Lúcio correu ao seu socorro. Era a faca de seu Doppel, não haviam dúvidas. Ele tentou tirá-la, mas ela desapareceu instantaneamente. Ela não estava morta. Respirava. Mas não estava consciente. Nunca voltaria a estar.
Ele estava desesperado. Correu para a cozinha da casa. Não achou nada. Ela estava morta, não adiantava tentar salvá-la. Mas ela ainda tinha um corpo bonito. Tirou a idéia da cabeça. Foi até a sala. Nada. O corpo dela ainda estava lá, deitado numa pose chamativa. A idéia voltou a sua cabeça. Esqueceu dela. Foi ao quarto.
No quarto, uma cama razoavelmente podre se encontrava. Ele pegou a carteira que estava na cabeceira, mas botou-a de volta no lugar. Estava vazia. Ouviu um gemido. Vinha da sala. Foi à sala. Caiu no chão, horrorizado.
O corpo da mulher havia sido movido. Estava agora contra a parede, nú. Quem o segurava era o que horrorizou Lúcio. Uma pessoa - Pelo menos ele achou que fosse. Ela tinha dois pares de braços e pernas, e sua cabeça estava horrivelmente distorcida. Em uma das mãos, segurava um chicote, que usava para bater no corpo da mulher, que ainda estava vivo o suficiente para gemer.
Ele estava estuprando-a. Com sua boca ensangüentada e cheia de pus, mordia o mamilo direito dela. Por fim, o puxou, arrancando-o. Fez o mesmo com o outro. Segurou a cabeça da mulher. Arrancou a pele fora. Ele se contraiu - Havia ejaculado - E largou a mulher. Olhou para Lúcio, e jogou seu chicote contra ele. Ele fechou os olhos. Abriu de novo. O monstro havia sumido.
Capítulo Quatro
- Spoiler:
Lúcio correu para fora do prédio. Seu Doppel estava desaparecido. Na rua, ele caiu no chão, vomitando. Monstros, putas, cafajestes, todos andavam serenamente na rua. Eram todos Doppels, mas seus donos não estavam em lugar a ser encontrado.
Viu uma mulher esbelta, andava pela rua resguardada. Vestia correntes sobre as roupas, e nunca levantava o olhar. Sentiu um impulso de tomá-la para si. Seguiu-a pela rua. Não se controlava mais. Ela entrou num beco. Ele entrou logo atrás.
Ele segurou-a pelo pescoço. Suas mãos estavam grotescamente deformadas. Ela se assustou. Com a outra mão, ele rasgou suas correntes e roupas. Violentou-a. Ela chorava, e gritava. Ele calou sua boca. Acabou, e cortou a garganta da mulher.
Instantaneamente, voltou a ter controle de si mesmo. A culpa e a depressão subiu por sua mente, enquanto seu Doppel assumia uma forma repulsiva de se olhar. Ele correu de si mesmo, tentando fugir desse pensamento.
Caiu no chão, esbarrara em alguma coisa. Sentiu uma presença aterrorizante, pura, que não condizia com o Universo que existia. Foi iluminado por uma fonte à sua frente. Parecia que estava sendo expurgado de sua própria pele, que o deixou gritando de dor.
Olhou a fonte. Era um anjo. Até mesmo os deuses estavam ali para puni-lo. Sua pele parecia fogo queimando seu corpo, sua alma parecia ter se transformado na merda que ele mesmo desprezava. O anjo falou. Os ouvidos de Lúcio explodiram em sangue.
Ele revidou. Segurou o pescoço do anjo, apertando com força. O anjo gritava de dor, enquanto Lúcio estava sendo continuamente exterminado, excomungado e exorcisado. O anjo engasgou uma última vez. Morrera. O terror subiu pelo corpo de Lúcio, quando a garota paraplégica que ele aleijou tomou o seu lugar.
Capítulo Cinco
- Spoiler:
As paredes gritavam e jogavam coisas contra Lúcio, enquanto este chorava no chão, desesperado. Seu Doppel criava representações erotizadas de pessoas que ele conhecia, e as estuprava e matava repetidamente.
Ele tentou escapar de tudo aquilo, mas aonde fosse, ele não saia daquele quarto. Toda vez que saía por uma porta, entrava no mesmo quarto. As paredes envolviam-no, sufocando sua mente e corpo. Tentáculos agarravam seus braços e pernas, e seu Doppel torturava-o.
Por fim, Lúcio gritou. Se jogou no chão, e desistiu. Deixou que fizessem o que quisessem com ele. Não aconteceu nada. Abriu os olhos. Viu a si mesmo segurando uma arma contra sua cabeça. Atirou. Não sentiu nada. O Doppel ainda segurava a arma, embora tenha sido recentemente atirada contra algo atrás dele.
Viu o que era. Uma mulher. Claro, o que haveria de ser, se referindo à sua mente? O Doppel, no entanto, não havia acabado. O Doppel da mulher estava morto, mas seu corpo ainda vivia. Seu duplo tocou na boca da mulher. Ela levantou. Mas seu Doppel não parecia estar lá.
Sentiu uma mensagem aparecer na sua mente: "Podemos salvar esta cidade. Podemos salvar seus habitantes. Veja, esta mulher está salva. Ela agora é nossa seguidora, uma Iluminada".
- Isso pode ser de grande utilidade. Mas somente você pode purificar pessoas. "Não. Nós podemos. Você pode fazê-lo. Apenas se concentre. Veja, ali têm mais um impuro."
Lúcio olhou. Uma criança altamente deformada estava olhando para ele. O quarto a tocava, mas ela não parecia sentir. Ela segurava um picolé. Ele levantou, e, pegando uma arma que ele não sabia como tinha parado em seu bolso, atirou na criança.
O corpo da criança aparentou uma pureza inexplicável. Era lindo. Lúcio chorou, enquanto descobrira o sentido de tudo aquilo. Jesus tentara salvar os humanos com palavras, mas essas se corromperam. Agora, ele fora o escolhido para purificar a humanidade. Ele tocou nos lábios da criança. Ela levantou, com olhos desfocados e sem motivo. Lindo.
Epílogo
- Spoiler:
Lúcio sentava numa pedra, nos limites da cidade. Olhava desinteressado enquanto seu exército purificava os rebentos e podres humanos. As luzes dançavam diante dos seus olhos, os gritos horrorizados dos monstros era uma melodia. Em Si Bemol.
Seu outro estava atrás de si, com a forma angelical que refletia sua jornada. Levantou. O chamado fora feito. Desceu às ruas, aonde seus discípulos estavam ocupados no cruel e extenso trabalho de encontrar os infiéis, torturá-los e purificá-los para a única verdade.
Olhou um ou outro ritual, mas não se interessou muito. A maioria era inocente demais. Foi ao encontro de seu general. Uma mulher, alta, morena. Seu Doppel, a única coisa impura nela, era um arcanjo. Ela relatou brevemente o processo de purificação da cidade, embora Lúcio pensasse em outras coisas.
A cidade estava ficando mais e mais bela. O sangue dos infiéis enfeitava seus soldados, os gritos das mulheres, misturado aos sons de decapitações e tiros, deleitava os sacerdotes. Lúcio tinha formado uma catedral. A única Catedral. Logo, Smogtown estaria purificada.
Duas semanas se passaram. Foi acordado por seu general na capela que virou o quartel-general dele. A cidade fora dominada. Ele andou no lado de fora para um anoitecer quieto. O sangue corria solto pelas ruas, e seus discípulos esperavam ordens. Por fim, a guerra estava completa. A cidade estava livre, purificada. Ele chorou. Sua missão estava completa. O mundo era novamente belo.
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