Vifibi
Novato
Postagens : 16 Data de inscrição : 29/01/2010 Localização : RJ Emprego/lazer : Escritor Mensagem Pessoal : Cínico
| Assunto: O Sol de Cada Manhã Sáb Fev 27, 2010 11:52 am | |
| Dedico esta saga à todos aqueles que me ajudaram, não importa o quão difícil minha situação fosse.Capítulo Um - Spoiler:
Charlie roubava frutas. Maçãs, pêras, uvas. Todos os dias ia no mercado em frente ao seu prédio e, quando não estava sendo observado, surrupiava alguns exemplares. Ele gostava muito de maçãs verdes, suculentas por dentro.
Charlie tinha dez anos. Sua mãe passava o dia dormindo, e, quando ele ia para a cama, ela saía para a rua. Ele não sabia o que sua mãe fazia, mas não queria saber. Só sabia que tinha maçãs, e que gostava delas. Também tinha pêras, mas essas tinham um gosto estranho.
Certo dia, ele estava saindo de casa, quando viu que a porta de seu vizinho estava aberta. Sua mãe o avisou que naquele apartamento morava um homem mau, e sempre ouviu as empregadas domésticas falarem do "Escritor de 405". Ele não resistiu, e entrou no apartamento.
O corredor era estreito, mas passava sem dificuldades. Depois do corredor, estava a sala. Tinha uma mesa no canto, um sofá e uma TV. Era bem cara - Aos seus olhos de criança. Na cozinha, ele viu uma chaleira que parecia valer uma fortuna. Ele a segurou, receoso. Sentia que a qualquer momento soaria um alarme. Não soou. Ele se apressou para sair daquele apartamento.
- Ei! - Charlie sentiu seu sangue gelar. Virou-se lentamente, tentando esconder a chaleira. O homem que chamara sua atenção meteu medo nele. Usava uma calça jeans amassada, junto com uma camisa amassada. O cabelo curto parecia espetar tanto quanto sua barba cerrada. Seus olhos estavam vermelhos de alguma desavença com o álcool. - Si... Sim? - Quem é você? - Eu sou... o... o... - Charlie, né? Já ouvi sua mãe falando de você. - Sim, eu sou. - Então, Charlie, o que você faz aqui, no meu apartamento? - Bem, se... senhor, a porta estava ab-b-berta. - Ele lembrou de sua mãe contando sobre o escritor andar armado. - Ah. Bem, me devolva minha chaleira, vamos. - Sem pensar duas vezes, entregou-a. - Me d-d-desculpe, senhor, m-m-mas você não é o escritor? - O homem fitou-o, curioso. - "O escritor". Bem, sou um escritor. Agora, se sou "O", já se torna discutível - Ele olhou para o alto por um minuto - Charlie. É um nome engraçado para um brasileiro. Você nasceu na Inglaterra? - Eh, não senhor! - Tomou coragem - Meu pai era inglês. Nunca o conheci. Minha mãe disse que ele era um grande homem. De ambos os sentidos. Não entendo o que isso quer dizer. - ... Bem. Talvez seja melhor que você fique sem entender por mais um tempo. Err... Victor. - Como? - Meu nome. Victor. - Ah. Prazer - Charlie sorriu, singelo. - Ah, Victor! - Ele chamou novamente a atenção do homem. Ele havia entrado em devaneio - Será... Será que você poderia me contar uma história? - Uma história? - Sim! Uma história! Você é um escritor, afinal! - Tudo bem, então façamos o seguinte: Devolva meus cigarros, que eu te conto uma história - Ele surpreendeu-se, embaraçado. - Muito bem - Victor pôs um cigarro à boca -, vejamos... Que tal a história do Cavalei - Não - Charlie interrompeu. - Não? - Não. - Como assim? - Essas histórias são chatas. Já ouvi milhares de vezes. Esses finais felizes nunca acontecem. - Huh... Bem... Eu estou meio sem histórias sem finais felizes. - Victor? - Hein? - Por favor - A fingida inocência de Charlie aplacou-o. - Argh. Tudo bem. Vou contar uma história da minha vida então. Já vou avisando, é meio dura. Mas, não tem final feliz. Pelo menos, não ainda. - Ok! - ... Ok...
"Eu tinha por volta de doze anos. Doze? Sim, sim, eram doze. Meu pai tinha abandonado minha mãe já faziam dois anos, e eu bebia escondido quando tinha a chance. Brigava com minha mãe todo dia. Ela chorava dizendo que eu não ia à escola, não ia à Igreja. Dizia que eu estava me tornando produto de Satanás. Satanás é um monstro malvado. Depois eu te explico mais.
Continuando... Minha mãe já estava decepcionada comigo pois eu não tinha feito a Primeira Comunhão. Dizia que eu não era filho dela. Que o filho dela havia morrido no dia que não tomei a hóstia. A hóstia é uma baboseira que dizem ser o corpo de Jesus. Que também é uma baboseira, aliás.
Um dia, eu tinha arranjado uma briga feia. Dois garotos evangélicos vieram me bater porque eu era 'Filho de Satanás'. Foram celebrados pela Igreja depois como Obreiros de Cristo. Minha mãe me expulsou de casa naquele dia. Passar a noite na rua também não é tão glamouroso quanto parece.
Eu aprendi a sobreviver na rua. Disputava comida com mendigos e pedia esmola, mas era melhor que a morte. Quero dizer, eu acho. Eu lembro de um amigo que eu tive nessa época, o Marquinhos... Ele sempre distraía os padeiros enquanto eu roubava os pães. Foi espancado até a morte por uns riquínhos da Barra.
Eu passei acho que um mês morando na rua. Depois, um homem chegou até mim e me prometeu casa e comida. Perguntei quem ele era, mas não me respondeu. Eu descobri mais tarde que era um fazendeiro. Fui morar em sua fazenda, afinal, era bem melhor que pedir esmola. Pelo menos era o que parecia."
- O que aconteceu? - Heh, é uma longa história. Acho que não vou conseguir te contar inteira hoje. Vá para casa. Amanhã eu conto. - ... Sim, senhor. - Ah, e Charlie - Victor chamou-o antes que fosse embora. - Sim? - Prazer em te conhecer.
Apagou o cigarro.
Capítulo Dois - Spoiler:
Charlie passou uma semana sem ouvir uma história. Victor ensinou-o algumas coisas, mas a que ele mais prestou atenção, e mais se divertiu, foi aprender a ler. "É como se um novo mundo se abrisse para você, e, em cada página, uma nova história se forme. Não há emoção comparável ao de abrir um livro, sentindo a textura do papel, o cheiro, e submergindo-se à outras realidades." Como ele passionalmente contestou.
Sua mãe estava dormindo na sala. Roncava alguma coisa incompreensível. O garoto aproveitou-se da situação, e partiu sorrateiro para a casa de Victor. Dessa vez estava decidido em ouvir o resto da história.
Bateu na porta. Não houve resposta. Ele ouviu um rangido ao longe. Entrou cautelosamente. O rangido aumentou, e um gemido o sucedeu. Vinha do quarto de Victor. Charlie lentamente abriu a porta, e soltou um grito. Saiu correndo, no entanto, tropeçou e caiu.
- Ei, você está bem? - Era Victor. Estava fechando o zíper da calça. - O que você estava fazendo?! - Acalme-se. Deixe-me ver seu joelho. - Quem era aquela moça?!? - Vamos, deixe-me ver seu joelho. - O que era aquilo!?!? Ei! - Victor agarrou o joelho do garoto. - Você ficará bem. Vamos para a sala.
- Quem é aquela mulher? - Charlie sentou no sofá, em frente à Victor - Uma amiga. - Amigos fazem isso com amigas? - ... Sim, depois de uma certa idade. Os dois percebem que "Aquilo" sem compromissos é divertido, e começam a fazê-lo. - O que é "Aquilo"? - ... Basicamente, é um jogo de Tetris, mas com apenas uma peça na vertical e três espaços para peças. - E como se ganha? - Quando os espaços desmaiam. - Desmaiam? - Longa história. Ei, já vai para casa? - A amiga de Victor tinha saído do quarto. Era bem bonita. - Já... Meu namorado tem ciúmes de você. Acha que estou traíndo ele. - Bem, não é sem razão. - É, mas ainda assim, é chato. - Bem, ok. Até mais. - Ela abaixou para beijá-lo. - E-eu - Charlie gaguejou - Eu espero poder jogar Tetris com você algum dia! Parece divertido. - Tetris? Bem, tudo bem. Adoro Tetris. Costumava carregar um comigo quando era criança e ficar usando na escola... Ok, garotinho, até mais. - Ela ficou sem entender o motivo de risos de Victor. - Pra você também!
- Ok, Charlie - Victor ouviu o bater da porta. - O que você veio fazer aqui? - Você prometeu que ia terminar aquela história. - É mesmo. Eu prometi. Ok. Se quiser beber algo, etc, faça agora. Não vou ficar interrompendo a cada doze minutos.
"Aonde estávamos? Ah, sim, claro. A fazenda. Veja bem: Eu morava na rua. Quando chegou um homem e falou que me daria casa e comida, eu não pensei duas vezes. Foram várias horas de viagem na picape dele. Eu tive que ir na carroceria. Por fim, chegamos à uma enorme fazenda, até hoje não sei aonde.
Ela tinha uma horta gigante. Você podia botar uns dois campos de futebol nela e ainda iria sobrar espaço. A casa, que ficava no fim da plantação, era rústica, mas era bonita de se olhar. Eu achei que finalmente tinha encontrado um lar. Ah, como estava enganado. Assim que chegamos à casa, ele abriu as escadarias para o porão e me trancou lá dentro, nas senzalas.
Acontece que eu não estava sozinho. Tinham outros comigo. Eu fiquei amigo em especial com dois deles. Um se chamava Pedro, era mais velho que eu, e o outro era Jóvis, da minha idade. Aquele homem seqüestrava crianças de rua e as fazia de escravos.
Eu passei um dos piores momentos da minha vida nessa fazenda. Acordava todo dia ao raiar do Sol, trabalhava nas plantações, tentava escapar, era chicoteado. Todos éramos. Tinham aqueles que desistiam e simplesmente obedeciam, que, com o tempo, se tornou a maioria. Eu, no entanto, continuei apanhando toda noite.
Chegou um dia em que Jóvis conseguiu escapar. Fugiu pelos campos até a estrada de terra. O homem entrou na picape e atropelou-no. Ficou paraplégico, como achamos. Depois amarrou-o ao carro e dirigiu de volta para a fazenda, com ele sendo arrastado por uma estrada de terra e pedras.
Quando ele chegou , já não havia pele em sua carne. O fazendeiro então pendurou-o como espantalho, como um aviso para nós. Quem tocasse nele era chicoteado. Por fim, Jóvis morreu. Foi retirado pelo fazendeiro por causa do cheiro, e fez sua carne nosso jantar.
O fazendeiro era casado, como me lembro. E tinha uma filha. Era uma garota tão doce, que você não conseguia acreditar que era filho daquele monstro. Toda noite, depois que seu pai ia dormir, ela nos trazia comida. Só fui descobrir muito depois que ela era violentada pelo pai todas as noites, e que só assim nos conseguia trazer a comida.
Enfim. A morte de Jóvis foi a gota d'água. Pedro e eu arrumamos um plano, e conseguimos roubar um forcado. Quebramos dois dos dentes, e arrombamos a fechadura da porta. Poderíamos ter simplesmente fugido na calada da noite, mas queríamos vingar o Jóvis. E a nós também, claro. Invadimos a casa do fazendeiro. Fomos até seu quarto, e, antes que ele pudesse fazer algo, amarramos-no e sua esposa à cama.
Começamos a insultá-lo, bater nele, e até mesmo em sua esposa. Detestava aquela mulher. Toda noite ela fazia alguém dar banho nela e depois servir a água do banho para as outras "Crianças". Estávamos nos cansando, quando ouvimos a voz de Pedro.
Ele estava à frente, e, atrás, dois garotos carregavam a filha do fazendeiro. Eles a botaram em pé, segurando-a pelos braços, e arrancaram suas roupas.
- Pedro! - Eu gritei. - Que foi? - O que você está fazendo? - Estou mostrando pra esse velho babaca o que que ele merece! - Pedro, a Luíza - Esse era o nome dela, aliás - sempre foi boa conosco! Pare com isso! - Parar? Vou te mostrar como que se faz, garoto! Observe e aprenda!
Pedro arriou as calças. A Luíza começou a gritar, chorar, espernear, querer fugir, mas não houve jeito. Seu pai nos ameaçou de morte, mas eu estava chocado demais para ouvir. Lágrimas escorriam de meus olhos. Se era assim que retribuíamos quem nos ajudava, então não éramos melhores que o fazendeiro. Eu botei a mão na mesa de cabeceira do velho. Encostei em algo que parecia ser uma arma. Era.
Sem pensar duas vezes, atirei para a parede. Tentei fazer com que Pedro se assustasse e parasse, mas errei a mira. O tiro foi diretamente pela cabeça dele. Ainda lembro do olhar assustado de Luíza ao ver aquele sangue até hoje.
- Estão vendo?!? Vocês todos não passam de nojentos! Desalmadas crianças nojentas, que merecem todas morrerem! AH, mas quando eu sair daqui, vocês todas irão DIRETO PARA O INFERNO!!!
Atirei no fazendeiro logo após. Notei que os garotos voltavam suas atenções para Luíza novamente, e atirei uma terceira vez, para o alto.
- Escutem. - Minha voz estava rouca. - Ninguém mais toca na Luíza. Se precisam mesmo fazer isso, façam com a viúva aqui. Eu vou levar a Luíza para fora desta fazenda.
E cumpri o que falei. Levei Luíza para fora da fazenda, e prometi cuidar dela até chegarmos em uma cidade qualquer. Encontramos uma em umas duas semanas, aonde, por sorte, moravam parentes dela. Quando souberam do ocorrido, cuspiram em minha cara e me expulsaram de seus apartamentos. Pelo menos só cuspiram."
Charlie notou uma lágrima secando no rosto de Victor. Ia comentar sobre algo, quando um barulho de quebrado ecoou no andar.
- Isso foi aqui? - Victor já se encontrava sério. - Acho que foi. - Venha, eu vou te levar para casa.
Victor se adiantou e abriu a porta do apartamento. No de Charlie, a porta estava aberta. Cautelosamente, ele entrou. Encontrou a mãe do garoto de quatro, núa, no sofá. Tinha um homem fodendo-a por trás, gritando algo que Victor não compreendeu.
- EI! - Mas o quê - O homem assustou-se. - Ei, sai daqui, garoto! Essa mulher aqui só trabalha pra homem! - Como é? - Você não ouviu ele? Vai embora! - Você é a mãe de Charlie, não é? - Sim, ela é. Agora, se você não se importa, eu quero acabar aqui! - Escute, colega. Você vai tirar seu pau murcho daí, e vai para casa. Você pode se masturbar pensando nela lá. - Ah, mas eu acho que você não entendeu - O homem levantou, e ficou cara-a-cara com Victor. Era bem pálido, aparentava ter uns quarenta anos - Essa mulher é propriedade minha. - Propriedade sua? - SIM! Propriedade MINHA! Eu sou o cafetão dela, ela trabalha pra mim! E eu digo que ela vai foder quem eu quiser, na hora que eu quiser, cobrando o QUANTO eu quiser, e agora, eu estava aproveitando... - Estava se aproveitando dela. Já entendi. Ok, então, senhor "Cafetão", vá para casa. E, no caminho, porque você não aproveita e compra um pouco de loção hidratante? Seu pau tá parecendo que ficou duas semanas numa bacia de sal. - COMO É?!?! Ah, mas agora você vai ter. Meu pau tá "Murcho"? Então você vai hidratá-lo. Você vai chupar ele, até eu dizer chega, ENTENDEU? - Pff. Não me faça rir. Vá embora, garoto. - Escuta aqui - O homem pegou um soco inglês - Você foi se meter comigo, agora você vai chupar, ou vai dançar. Escolhe, fia da Lavar a boca com sabão faz bem.. - Você - Victor sacou uma arma, apontando-a entre os olhos do cafetão - Vai para casa. Entendeu? - Eh... Sim, entendi. - Ótimo. Se vista. Você também - Ele olhou para a mãe de Charlie -. Seu filho está preocupado na minha casa. Afinal, o que quebrou aqui? - Meu vidro - A mulher respondeu. - Seu vidro? - É, meu vidro. - Vidro de quê? - De quê? De fumar CRACK, sua besta! - O cafetão retorquiu. Victor sacudiu a arma, e ele voltou a se arrumar. - Então escute, mãe do Charlie... - Soninha. - Como? - Soninha. Meu nome é Sônia, mas todos me chamam de Soninha - "Boca de veludo!", o cafetão acrescentou. - Muito bem então, Soninha. Vista-se. Seu filho está preocupadíssimo na minha cas... - Antes que pudesse terminar a frase, Soninha caiu, desacordada.
Capítulo Três - Spoiler:
Victor balançou seu copo de whiskey levemente. Jack Daniels, black label. Sem gelo. Sem gosto. Whiskey comprado em bares nunca era de qualidade. Se preparava para entrar no crepúsculo do seu humor.
Ouviu seu celular tocando. Viu o número. Era à cobrar. Desligou. Tomou um gole de whiskey. Novamente, seu celular voltou a tocar. À cobrar. Desligou novamente. Tomou outro gole. Uma terceira ligação. Ele desistiu, e atendeu.
- Alô? - Alô? Victor? - Sim. Quem fala? - Sou eu, Charlie! - Ei, Charlie. Por que você está me ligando à cobrar? - Estou na escola! - Ainda? Mas são sete da noite. - Minha mãe esqueceu de vir me buscar. Liguei para ela, mas atendeu um homem que eu não sabia quem era. - Espere aí. Vou te buscar. - Victor foi desligar. Depois voltou a falar - Só uma pergunta: Aonde é sua escola?
Uma moto desceu cantando pela rua da escola de Charlie. Uma Honda Shadow, 750cc. Roxa, linda. Charlie não prestou muita atenção, esperava a chegada de Victor. Estava com frio, e com fome. Queria ir para casa.
- Charlie! - Ele pulou de susto. O homem na moto era Victor. - Victor? O que você está dirigindo? - Se chama moto. Suba. Vou te levar para casa. Aliás, você deve estar com fome, te levo numa pizzaria aqui por perto primeiro. - Como que eu subo? - Está vendo aquele pedal? Ponha seu pé esquerdo nele, levante-se, e passe a perna direita pela moto. Aí você senta e se segura. - Aonde vamos? - Charlie perguntou, já acomodado. - Num lugar chamado "Queijo na Massa". Vende a melhor pizza que eu já comi.
O lugar era bem decadente. As mesas aparentavam ter quinhentos anos de idade, as paredes estavam descascadas, e o lugar estava vazio. Victor, sem parecer notar, sentou em uma mesa e - Quando um garçom foi atendê-los - pediu uma pizza de calabresa.
- Me diz: Como você comprou aquela moto?!?! - Bem, garoto, eu não comprei... Eu... Roubei - Victor sussurrou para o lado. - Você roubou?!?! De quem?!? - Bem...
"Tinham uns meses que eu tinha escapado daquela fazenda infernal. Eu acabei indo parar em Cabo Frio. É uma cidade aqui perto do Rio de Janeiro. Menos de três horas para chegar lá. Eu passei uns dias na cidade, estava aplicando um golpe num dos - esparsos- hoteís da cidade.
Eu estava num bairro meio pobre da cidade, quando ouço uma voz extremamente familiar, embora não tenha reconhecido no exato momento. Era meu pai. Como havia ficado três anos sem vê-lo, decidi aplicar-lhe uma peça. Entrei no que assumi ser sua casa, e o vi na sala, vendo TV com sua esposa e seus filhos. O mais velho aparentava ter oito anos.
Na garagem, eu vi uma moto. Era essa mesma que está estacionada aí fora. Eu estava com raiva do meu pai. Queria inflingir-lhe a mesma dor que ele me causou. Esperei que fossem dormir. Naquela noite, eu invadi sua casa. Roubei as chaves da moto, e levei-a comigo. Desligada, para não fazer barulho.
Quando já estava há uma boa distância, liguei a moto e parti pela estrada. Bem, na segunda tentativa. Na primeira eu quase caí. Mas, depois que aprendi direito a andar, parti pela estrada. Agora, desses meus dois anos pela estrada, existem três momentos que valem a pena serem ressaltados.
Um deles foi como eu consegui uma arma. Você vê, a arma que eu consegui na fazenda era enferrujada, e não funcionava direito. Joguei-a fora quando tive a chance. Enfim. Eu estava dirigindo pela estrada, morto de sede. Vi um posto de gasolina com loja. Eu não tinha dinheiro, mas resolvi cometer uns atos ilícitos para conseguir uma bebida e gasolina.
Parei a moto, desci, e coloquei a gasolina. Enquanto isso, fui comprar cervejas. O homem tinha uma cara de quem tinha sido atropelado por um caminhão que carregava pianos. Eu fui até a geladeira, peguei um pacote com seis.
O caixa me olhou feio. Eu fingi catar umas moedas, então peguei o pacote e saí correndo para a moto. Tudo bem, não era o melhor plano. Subi na moto, quando ouvi um barulho alto. Senti uma dor lascinante no meu braço direito. O vendedor atirou no meu braço. Eu teria saído correndo, mas paralizei. Estava suando frio.
Senti metal gelado contra minha cabeça. Ótimo. Morrer por causa de seis cervejas. Me virei. O homem estava olhando para mim de cima - Estava sentado na moto -. Ele olhou para mim, soltou um riso de maldade, e começou a balbuciar o que eu entendi por palavras.
- Muito bem, sua besta. Você queria cervejas? Agora você vai pagar por elas. - Nesse momento, ouvi o barulho de um zíper abrindo.
Eu já estava desesperado. Busquei com a mão direita - Cujo braço havia sido baleado - uma coisa para me apoiar e evitar que caísse. Me apoiei no acelerador da moto. E caí. A moto, para minha sorte, girou ao meu redor, e atingiu o pervertido de lado. Ele caiu no chão, e, antes que pudesse fazer algo, me joguei para alcançar a pistola.
- Muito bem, senhor pervertido. Acho que quem dá as cartas agora sou eu. - Não, não me mata! Por favor! - Foi a primeira coisa que me ocorreu quando eu segurei novamente uma arma. Matá-lo. Ele merecia, não merecia? Mas, por fim, decidi que não. Peguei as cervejas, guardei a arma, e dirigi para fora dali - Mas não sem antes garantir que ele nunca mais fosse tentar abusar de ninguém."
A pizza chegou. Os dois comeram, rindo e se divertindo. Por fim, Victor o levou de volta para casa. Charlie dormiu ouvindo o barulho de uma cama rangindo ao longe. E Victor dormiu com um copo de whiskey nas mãos e - Como constatou no dia seguinte - uma garota nos braços.
Capítulo Quatro - Spoiler:
- Vamos! Me deixe entrar! - Foi tudo o que Victor ouviu. - Mãe! Me deixa entrar! - Ei, Charlie - Charlie sobressaltou-se. - Ei! Victor, minha mãe não me deixa entrar em casa! - Por que você ainda está de uniforme? - O quê? Isso não importa! Eu quero ir pra casa! - Você saiu, ou algo do gênero? - Você está me ouvindo? Minha mãe me trancou do lado de fora de casa! - Sua mãe está trabalhando - Victor ficou de saco cheio - Você sabe disso. Venha, você pode ficar no meu apartamento até ela... Tirar uma folga.
O apartamento de Victor cheirava à cigarros, whiskey, e boceta. Charlie sentou-se no sofá, perto da televisão. Ele, contudo, se sentou perto da mesa de cabeceira, com um copo de whiskey nas mãos, e um cigarro na boca.
- OK. Agora me diga: Aonde você estava? - Hein? Na rua. - Na rua? - O olhar desferido à Charlie gelou seu sangue. - Sim. Na rua. Eu saí. - Saiu... Com quem? - Com... - Com...? - Uma garota. - Ah - Victor riu - Meus parabéns! Ela te beijou? - Sim. Ela também fez uma coisa estranha... Mas que foi muito boa. - Uma coisa estranha? - Sim... Ela tirou as roupas dela. E as minhas - Ele assentiu, esbugalhado - E começou a brincar com meu... - Charlie apontou para seu pênis. - ... Huh. Bem... Acho que... Já estava na idade, né... Você tem treze anos... - Tenho dez. - ... Então não estava mesmo na idade. Mas, pelo menos, é uma coisa a menos na sua lista de "Transas à fazer". Ah, e meus parabéns. Você jogou Tetris. - Victor. - Hein? - Eu já tinha entendido. - Ah. Bem, pelo menos agora você sabe como é sexo. Só por curiosidade, quantos anos ela tinha? - Não sei. Mas ela era do Segundo Grau. - Ah - A expressão na face de Victor era deprimente. - Foi bom. - Como? - O que ela fez. Foi muito bom. - Bem, agora você sabe porque os adultos fazem. Se você fosse um pouco mais velho, eu te daria um copo de whiskey como comemoração. - Comemoração? Minha mãe me dá isso quando eu não consigo dormir. - ... Bem, é outra opção. Mas para dormir, eu prefiro as pílulas mesmo. - Que pílulas? - Eh, nada. Ei, já que você já sabe como é sexo, eu posso te contar o resto da história sem ter que usar metáforas. O que é chato, já que eu passei a semana inteira pensando nisso. - Você pode contar agora? - Claro. Claro. Se acomode, pois desta vez são duas histórias em uma.
"Vamos começar por como eu perdi a virgindade. É uma história curta, mas acho que, já que estamos no assunto...
Eu tinha treze anos - Isso mesmo, você ganhou de mim -, e estava viajando. Sem dinheiro, como sempre. Estava de noite, e eu estava morto de sono. Achei um Motel. Estacionei a moto em um lugar parcialmente escondido, e procurei um quarto aonde parecesse não ter ninguém.
Achei um. Arrombei a fechadura, e entrei. Assim que entrei, deitei na cama e assim fiquei. Só depois de algum tempo, eu notei um barulho: Um chuveiro. Estava desligando. Pulei da cama, e corri para a porta, quando ouço:
- Quem raios é você? - Bem... - Me virei. À minha frente estava uma mulher linda, nua. Aparentava ter uns vinte anos. No seu seio direito, tinha uma cicatriz. - Eu... Err... - Vamos! Responda! Quem é você? - Eu... Olha... Desculpa. Eu só queria um lugar para passar a noite. Não tenho dinheiro para pagar por um quarto. Vou procurar outro que esteja vazio. Só por favor, não me denuncie. - ... Bem... - A mulher me fitou com um olhar de pena - Você pode passar a noite aqui. Feche a porta.
Quinze minutos depois, estávamos na cama. Ela continuava nua, e seu corpo à luz do luar refletia com um brilho estranho. Achei maravilhoso. Ela soltou um grunhido. Achei estranho. Ela virou-se, e fitou-me com aqueles olhos penetrantes. Achei excelente.
- Você é gay? - Hein? - Gay. Homossexual. Bicha. - Eh, não. - Tem certeza? - Sim. Tenho. Por quê? - Qualquer homem já teria me comido. - Te comido?! - Sim. Sexo. - ... Ah. - O quê foi? - Más lembranças disso. - Por que, alguém já te enfiou o dedo? - Ela começou a rir descontroladamente. - Não! Mas... Esquece. - ... Tudo bem. Ah, se você quiser me comer, pode ir em frente. - ... Você sempre é assim? - Como? - Você não tem amor próprio? "Se você quiser me comer" ... Vamos, você tem que se amar um pouco mais. - Como é?! - Eu só estou dizendo... Você tem uma atitude de... - De...? Vamos, completa! - De Lavar a boca com sabão faz bem.. - Ela ficou furiosa. - ESTÁ ME ACHANDO UMA Lavar a boca com sabão faz bem.?!? POIS BEM, ENTÃO VOU AGIR COMO UMA! - Ela montou em mim - O que acha disso? - Ei, mas o quê - Ela me beijou. Abriu minhas calças. Voltou a olhar para meu rosto. Deu uma risada, e começou. Eu não sabia se ficava alegre, prazeroso, ou insultado. Decidi pelo segundo.
Eu ejaculei em quinze segundos. Era minha primeira vez, afinal. Ela sentiu. Fitou-me, espantada.
- Quantos anos você tem? - E-eu tenho... Treze. - Então eu... - Sim. - Eu... Eu sinto muito - Ela caiu sobre mim. Seu rosto estava cheio de lágrimas. Tentei consolá-la, mas ela adormeceu. No dia seguinte, saí sorrateiramente. Nunca soube seu nome.
Agora, o segundo momento foi quando eu comecei a gostar de sexo.
Eu já tinha quatorze anos, e tinha acabado de chegar numa pequena cidade evangélica. Era bem evangélica. O pastor, praticamente prefeito da vila, me deixou passar umas noites na Igreja. Ele tinha uma filha, da minha idade. Muito bonita.
A filha se chamava Alessandra. Era bem singela. Humilde, simples. Tinha cabelos loiros, daqueles tipos que a mídia vende como sendo 'Perfeitos'. Ficamos amigos bem rápido. Eu lembro que fiquei umas duas semanas na cidade.
Pois bem. Alessandra já estava na idade - Acreditavam eles - para se casar. O marido que lhe arranjaram era um velho de quarenta e poucos anos. Ela estava receosa com aquilo. Eu sentia aquilo. Uma noite, eu fui acordado sendo acariciado por alguém. Primeiramente, quase pulei da cama - Achei que era o pastor. Era Alessandra.
- ... Alessandra...? - Shh. - Desculpa. O que você está fazendo aqui? - Nada. Estava sem sono, e tive vontade de te ver. Por que, isso é ruim? - Não... Apenas gostaria que você não tivesse me acariciado assim. Me assustou. - Por que? - Bem... Sendo honesto, eu achei que fosse seu pai - Ela soltou uma risada fraca. existia algo de reconfortante nela. - Acho que meu pai não prefere esse tipo de amor. - Acho que tem razão. Mas agora, seja você a honesta: Por que está aqui? - Meu casamento é amanhã. - Sim, eu sei. Prometi que ficaria, não prometi? - Eu não quero me casar - Uma lágrima desceu de seus olhos. - Como? - Eu não quero me casar. Estou com medo. Aquele... Velho... É um pervertido. - Alessandra... Eu... Gostaria de poder fazer alguma coisa. - Você pode. - Posso?! - Si... Não. Esqueça. - Não! Eu quero ajudar - Eu me sentei. Ela me olhou com uma expressão tão triste que qualquer outro homem teria chorado. - Escute, Alessandra, se tiver como eu ajud - Ela me beijou. Rolamos na cama. Eu acabei em cima dela. Ela assentiu levemente com a cabeça, e eu tirei sua roupa. Era linda. Perfeita. Era de outro homem. Bem, eu pretendia mudar isso.
No dia seguinte, o pai dela nos descobriu na cama, e expulsou nós dois da cidade. Eu a levei de moto até uma cidade que, segundo ela, moravam alguns parentes dela. Depois que ela foi expulsa, ela mudou. Ficou deprimida, triste. Não conversava, só respondia monossilabicamente.
Mas, depois de duas semanas, finalmente chegamos à cidade. Achamos a casa dos parentes dela (Ela se lembrava do endereço dos presentes de aniversário que chegavam pelo correio), e ela se despediu de mim, da mesma maneira que passou a viagem. Não parecia certo. Ela ia tocar na campainha da casa, quando eu a chamei. Ela se virou, e a beijei.
- Lembre-se, Alessandra: As pessoas podem te magoar, mas sempre terá uma pessoa que te ama: Eu. Qualquer coisa, é só chamar. - Eu esperava um tapa, um soco, ou até mesmo um choro, mas tudo que ela fez foi me beijar de volta. Depois, eu subi na moto, ela tocou a campainha, e nunca mais nos vimos."
Charlie ouviu tudo atentamente. Seus olhos pareciam brilhar.
- Então... Você amou aquela garota, Alessandra? - Sim. E ainda amo. Às vezes, quando estou sozinho no escuro, me lembro de como eram seus cabelos dourados, o perfume que exalavam... E relaxo. Eu gostaria de ter conhecido-a em outra época, outra situação... - Mas você não tinha uma outra namorada, aqui? Eu lembro de uma mulher ter morado aqui. - Bem, Charlie, eu sou um homem capaz de amar mais de uma mulher. Agora vá, sua mãe já deve estar de "Folga".
Charlie correu para casa, deixando Victor sozinho, no escuro. Ele apagou seu cigarro, e terminou seu whiskey. Jogou os pés em cima do sofá, pensou em Alessandra, e dormiu, como não conseguia há anos.
Capítulo Cinco - Spoiler:
"Ok." Victor começou. Charlie tinha voltado do colégio com um 10, a condição para que ele contasse mais uma história - Imposta pela falta de vontade de Victor de contá-la. "Já que você quer tanto, eu vou contar.
Eu fiquei uns dois anos viajando sem rumo pelo país. Por fim, eu descobri que tinha acidentalmente voltado para Cabo Frio, aonde morava meu pai. Eu já estava de saco cheio da estrada. Lembro que na época estava usando umas roupas de motoqueiro que já fediam. E estavam praticamente estragando.
Então eu decidi ficar em Cabo Frio. Eu tinha quinze anos, ou seja, quatro anos atrás. Cabo Frio ainda era relativamente vazia, então eu não tive muitos problemas em arranjar um apartamento barato. Consegui um pequeno emprego como entregador de pizza. Não era o melhor emprego do mundo, mas pagava o aluguel.
Mas então, o alguel subiu. Mas meu salário não. Portanto, eu comecei a procurar por outros empregos. Meu antigo colega de trabalho, Hugo, me disse que conhecia um excelente lugar para negócios. Era só pegar uma mercadoria que vinha do Rio e trazê-la à um amigo dele. Eu faria isso toda semana, e receberia mil por semana. Não pude recusar.
Acontece que a "Mercadoria" era tráfico de drogas. Eu não me importei, já havia feito coisas piores. E, inclusive, decidi experimentar. Comecei com maconha. Era bom. Relaxava, descansava. Depois de três meses, decidi tentar cocaína. Gostei. Viciei.
Um dia, eu tive uma briga feia com Hugo, que passou a ser meu fornecedor. Parei de trabalhar com ele. Ouvi notícia que um jornal estava começando, e precisava de jornalistas. Decidi tentar. O editor-chefe era bem humorado, e, aparentemente, "Viu potencial em mim".
Eu era um escritor mediano. Nunca expressava muita coisa, e minhas crônicas - Que eu também fazia - Sempre se tratavam de algumas piadas frouxas organizadas de forma inteligente. Não era grandes coisas, mas eu gostava.
Certo dia, Hugo me ligou. Disse que tinha algo que iria "Arrasar com o que eu considerava viagem". Fui à sua casa. Ele tinha LSD. Experimentei. LSD é uma droga que você ingere. Quase uma pílula. Não dá pra explicar direito. Enfim. Minha vida mudou depois daquilo.
A primeira coisa, foi que fiquei mais ousado. Minhas crônicas agora tinham opiniões. Eu arranjei umas brigas com prefeitos, candidatos, etc. E tudo que eles falavam de mim, eu retrucava humilhando. E eles nunca podiam fazer nada. Mesmo embora eu fosse um maldito, eu era um maldito esperto. Nessa época, eu ganhei o apelido de "Navalha".
Mas eu era ultra-dependente de LSD. E, no final, tudo despencou. Eu fui pego. Fiquei preso por dois meses - Advogados do jornal eram bons. Depois disso, decidi largar da droga. Avisei para meu editor-chefe que iria largar, e que ele me deixasse em paz até que eu tivesse livre do vício.
Mas eu não quis ir para uma clínica de re-habilitação. Aquilo era bobagem na época, e nunca funcionava. Eu me tranquei no meu apartamento, e fiquei lá por seis meses. Os primeiros dois foram os piores. Eu sentia frio, calor, depressão, ânsia, tudo ao mesmo tempo. Achava que iria morrer.
O tempo se arrastava lentamente. Um dia parecia dez anos. Dois meses pareceram para mim dois milênios. Mas, por fim, eu parei de ansiar a droga. Fisicamente, quero dizer. Eu ainda fiquei mais quatro meses encarcerado, por garantia.
Mas, no final, eu estava livre. O vício era algo do passado. Eu voltei a trabalhar, mas foi por pouco tempo. O Navalha estava acabado, e eu não queria que ele voltasse. Então eu pedi que me deixassem como redator por correspondência, e me mudei para cá, Rio de Janeiro.
Eu passei dois anos aqui sem muitas coisas acontecerem de fato. Criei para mim mesmo uma reputação de "Seguidor das Três Leis" - Isto é, Sexo, Drogas (Embora eu apenas fumasse e bebesse. Mesmo em excesso), e Rock & Roll -. Era - Ainda sou, mas isso não importa muito - um mulherengo. Bêbado. Mas me divertia.
Eu voltei a falar com uma amiga minha, que eu conheci quando tinha sete anos. É algo interessante, mas isso eu te conto outra hora."
- Sabe... - Sim? - Eu nunca vou usar drogas. - Hah... Excelente então. Se eu influenciei alguém à ir pelo caminho certo, então acho que minha vida teve algum propósito. Agora vá, já está tarde.
Victor estava bebendo um whiskey, quando Charlie soltou um berro. Ele correu para o apartamento dele. A porta estava fechada. Arrombou-a. Encontrou-o na sala, chorando. No sofá, estava sua mãe.
- Charlie? - Minha mãe, ela... - Acalme-se... Deixe-me ver - Não tinha pulsação. Ele percebeu que o purificador dela estava no seu colo. "Ótimo", pensou ele. "Ela teve uma overdose com crack. E agora?" Charlie chorou mais alto quando viu a expressão de Victor. "Agora," Ele se repreendeu. "Você vai levar o Charlie para a cama. Agora isso não importa."
Charlie ficou sozinho no seu quarto, chorando. Victor estava no apartamento dele, cobrindo o corpo da mãe com um lençol. Depois voltou para casa. Charlie chorou no seu ombro a noite inteira. "Mas... E agora?"
Capítulo Final - Spoiler:
Charlie seria adotado. Não havia escolha. Não havia discussão. Era a coisa certa a fazer, e ambos sabiam disso. Ele passou a semana na casa de Victor, deprimido. Mal saía da cama. Victor entrevistou pessoalmente casais querendo adotar, e ameaçou três pedófilos.
Por fim, encontrou um que achou ser perfeito. Eram de classe média alta, e eram estéreis, e desejavam muito um filho. O homem era alto, do tamanho dele, e a mulher era bem amigável - Demais, até. Ele decidiu que eles seriam os escolhidos, mesmo que aquilo o matasse.
Era o dia que Charlie iria embora. Os dois estavam sentados no sofá, um fitando o outro. Por fim, Charlie desistiu.
- Victor? - Sim? - Você pode terminar a história? Eu não quero ir embora sem que você a termine. - Ah... Claro. Acho que eles ainda demorarão um bocado.
"Vamos terminar então. Eu estava com dezoito anos. Estava namorando uma garota que não me amava - Queria fazer ciúmes no homem que ela amava, mas que não a amava -, e trabalhando como redator correspondente no jornal. Eu gostava de sair à noite, mesmo que a Lúcia ficasse emburrada reclamando do amor da vida dela.
Um dia, ela me largou. O cara que ela amava finalmente deu alguma bola para ela. Sinceramente, não pude deixar de notar a semelhança entre a atitude dela, e a atitude de um cachorro com seu dono. Provavelmente o cara adorava isso. Enfim.
Eu nunca me importei muito com ela, de qualquer forma. Na noite que ela me deixou, eu marquei com uma amiga de infância minha, a Layla, e saímos. Fomos num bar de Rock- Que por sinal, tem a melhor seleção de músicas para um bar que eu já ouvi até hoje - e bebemos bastante. Mas bebemos muito. No dia seguinte, ela percebeu que tinha feito o maior erro da vida dela: Transado comigo.
Você vê, na época, a Layla namorava um completo babaca. Eu conhecia ele muito bem: Era o tipo especial de babaca que você vê por aí, que trata mulher como lixo. Honestamente, eu detestava aquele cara. Aliás, ainda detesto. Enfim.
O que foi um erro de uma noite, um acidente bêbado, passou a ser mais que isso. Layla e eu começamos a gostar um do outro. De uma outra maneira. É meio irônico, já que ela sempre me chamava de mulherengo, alcoólatra, e umas outras palavras que me faziam rir.
Até que a casa de cartas caiu, como sempre ocorre. O namorado dela descobriu, e pegou-nos no ato. Meteu um soco no meu nariz - Isso eu admito: Ele tem um gancho extraordinário -, e deu um tapa na face da Layla. Foi aí que eu fiquei irritado. Tudo bem que saí totalmente dolorido, e com um braço torcido, mas ele tomou um pouco de justiça - Isso sem contar que eu era manco naquela época. Ah, é uma longa história. Acidente de moto, nervo danificado. Três meses atrás, nervo simplesmente rompeu, e o seguro pagou a cirurgia. Enfim, continuemos.
À partir daí, Layla e eu namoramos. Eu já a amava perdidamente antes, mesmo sem saber, mas agora era simplesmente excelente. Era um tipo estranho de excelente. Mantinhamos um relacionamento aberto - Isso é, podíamos transar com outras pessoas, que não era traição.
Eu até hoje acho que ela simplesmente sabia que, uma hora ou outra, eu acabaria fazendo isso. Talvez estivesse certa, eu não sei. Não acho que seria capaz de machucá-la. Mas, por fim, o relacionamento dava certo. Namoramos por oito meses.
Numa ocasião, o pai da Layla morreu. O funeral foi deprimente. Eu não me aproximei do caixão. Encontrei minha ex-namorada lá, a Lúcia. Ela ficou parada do meu lado durante todo o velório, e, apenas no final que ela começou a conversar comigo. Sem nem ao menos olhar para mim.
- Então... Você arranjou uma nova namorada. - Yep. - Huh. - ... Pois é. - Eu já sabia que vocês iam acabar juntos. - Obrigado. Eu acho. - Não deu certo. - Como? - Ele e eu. Me deixou por uma biscate aí qualquer. - Ah. - Você estava certo. - Hein? - Eu deveria ter esquecido do assunto. - Ah... Bem, todos somos tolos quando se trata de amor. - Talvez. Acho que só estou cansada. - Bem, o que se vai fazer. - Não sei. Estou pensando em me enterrar viva. Quer me acompanhar? - ... Bem, a Layla vai ficar sem falar comigo e de luto por uma semana. Claro. Devo levar minha própria pá? - Sempre levamos.
As conversas com a Lúcia sempre eram estranhas. Mas, antes que eu me esqueça, foi o pai da Layla que deu esse nome para ela. Ele amava a música do Eric Clapton. O que me deixou com uma série de perguntas que eu nunca saberia, mas não acho que importa. Enfim. Depois da morte do pai da Layla, ela se desprendeu totalmente da família - Ela e sua mãe sempre brigavam um bocado. Ela passou a freqüentar minha casa.
Estranhamente, ela não usava interfones para avisar que estava querendo subir. Ela arranjou um método estranho de atirar pombos mortos com mensagens na minha janela. Alguns simplesmente diziam 'Olha o que achei na rua.', enquanto outros eram ainda mais inúteis. Decidi que, antes que chamassem o Ibama, ela deveria morar comigo.
E ela morou comigo por dois, três meses. Nessa época, eu tinha acabado de fazer uma cirurgia na minha perna, devido à minha manqueira do nervo da minha perna, então ela praticamente fazia tudo na casa. Umas duas semanas antes que eu removesse o gesso, ela começou a agir estranho.
Ela estava flutuando. Parecia estar variando entre extrema depressão e euforia. Eu conhecia aquilo. Era o sintoma de drogado. Uma semana depois de ter tirado o gesso, eu encontrei uma seringa usada no meu armário. Era heroína.
Eu passei a noite esperando por ela. Ela chegou completamente dopada. Eu mostrei as agulhas. Ela ficou extremamente irritada comigo. Fugiu. Eu tentei me acalmar um pouco - Estava tremendo de raiva, tristeza, e um infernal desejo pela droga. E fui atrás dela.
Ela já tinha escapado havia tempo. Fui na casa da mãe dela. Ela cuspiu no meu olho. Fiquei meia hora na rua, quando comecei a raciocinar. Quem poderia ter vendido a droga? Alguém deveria saber quem eu sou. Subitamente, eu percebi quem era. Quem tinha se mudado para o Rio dois meses depois de mim, que havia me perturbado durante o resto do tempo.
Bati na porta, e ele atendeu. Hugo, o maldito traficante. Me viciou, e tinha viciado a Layla. Genial. Assim que eu ouvi sua risada dopada, aquilo foi suficiente. Eu poderia ter morrido ali. Nada me deixou mais deprimido em toda minha vida do que aquilo. O som da Layla sendo corrompida por uma seringa emporcalhada. Aquilo foi demais para mim.
Peguei a Layla. Carreguei-a para fora. Hugo gritou comigo. Eu a pus no chão. Dei um soco no nariz dele - É, também sou bom de ganchos -. Ele pegou uma faca e enfiou-a na minha perna. Justo a que era manca. Eu saquei meu revólver. Aquilo foi a gota d'água. Atirei na cabeça dele. Não deveria ter feito aquilo, e me torturo todo dia por causa disso, mas não havia como reagir de outra maneira.
Por fim, eu deixei a Layla na casa da mãe dela. Ela a mandou para uma clínica de re-habilitação, e não me disse aonde era. Até que um dia ela veio pegar as roupas dela aqui. Eu já estava mais do que deprimido. Ela percebeu, e, finalmente, me disse aonde era a clínica.
Eu fui no dia seguinte. A visão era horrível. Layla, numa cama, num quarto totalmente branco. Ela sentou quando me viu. Seus olhos só desejavam uma coisa: Heroína. Não havia o que fazer. Ela me puxou. Pediu drogas. Eu recusei. Nem ao menos carregava. Ela começou a me xingar. Não parecia mais a mesma pessoa. Eu não tinha escolha. A mãe dela estava certa: Enquanto ela continuasse a me ver, nunca superaria o vício. Tudo terminou ali, com ela inconsciente demais para entender."
- Victor? - Sim? - Você algum dia voltou a falar com ela? - Não. - Mas vai voltar, certo? - Bem, Charlie... Eu não sei. - Victor olhou o relógio. - Ainda não está na hora. Temos tempo para mais uma história - Ele esfregou as lágrimas -, mas não tenho mais nenhuma da minha vida. - Victor... - Fale. - Você pode me contar uma história de cavaleiros? Aquelas com princesas, dragões?! - Os olhos de Charlie brilharam. Quase parecia de propósito. - ... Tudo bem.
Victor contou uma história, ao seu ver, mediana. Bem clichê, mas era o que Charlie queria. Por fim, os pais adotivos chegaram. Victor levou-os ao elevador, junto com Charlie. Antes de ir embora, o garoto correu e abraçou-o, ambos em lágrimas. A mãe adotiva chamou Victor para um canto.
- Ele parece realmente gostar de você. - Sim... Ele realmente é um garoto incrível. - Bem... - Ela entregou-o um pedaço de papel - Ligue-me algum dia. Podemos discutir sobre o Charlie... E algo mais. - ... Olhe... - Victor enxugou as lágrimas uma última vez - Obrigado. Eu vou guardar isso.
Por fim, Charlie foi com seus pais adotivos. Victor ficou debruçado na janela, e assim passou a noite inteira. Sentiu o Sol raiar, iluminando sua face. Tirou do bolso o telefone da mulher. Deu uma última olhada, amassou-o, e jogou pela janela. Terminou seu whiskey.
|
|